In memoriam Margarida Duarte de Almeida
Margarida Simões Freire de Figueiredo e Lima nasceu nos Olivais a 24 de maio de 1921, no seio de uma família socialmente generosa e mecenática, com enorme paixão pela música, em que parte da educação de cada membro, ao longo de sucessivas gerações, incluía a aprendizagem de um instrumento. Efetivamente, durante a 1ª metade do séc. XX, primos direitos seus tornaram-se músicos muito conceituados como, por exemplo, Miguel Duarte de Almeida, cantor muito conhecido no seu tempo.
Tendo iniciado estudos de piano aos 6 anos, em sua casa, com uma das suas primas, Margarida Duarte de Almeida (nome profissional que escolheu e por que haveria de ficar mais conhecida), foi realizando todos os seus exames, como aluna externa, no Conservatório Nacional de Lisboa. Tendo sido uma aluna de topo de Campos Coelho, ao completar brilhantemente o curso superior de piano, foi convidada a lecionar no Conservatório antes de completar 18 anos de idade.
Admirada por músicos profissionais de renome e fazendo parte, como referido, de uma família fortemente ligada ao meio musical erudito, nomeadamente na organização, na participação direta, e no patrocínio de vários concertos e eventos particularmente entre os anos 1920-1970, Margarida Duarte de Almeida optou por fazer uma carreira dedicada exclusivamente ao ensino em duas instituições públicas, até à sua aposentação: i) como professora de música, acompanhadora, e maestrina do coro de todas as alunas do Instituto Infante D. Afonso (mais conhecido por «Colégio das Meninas de Odivelas», fundado em 1900, frequentado exclusivamente por filhas de militares do Exército até ser extinto em 2014); e ii) como professora de piano no Centro de Estudos Gregorianos, criado em 1953 enquanto entidade dependente do Instituto de Alta Cultura (organismo tutelado pelo ensino superior), o qual, ao ser extinto em 1976, deu origem ao atual Instituto Gregoriano de Lisboa (doravante IGL).
Em ambos os institutos, fez parte das respetivas direções. Por ter tido sempre uma postura muito discreta e reservada, o ensino artístico especializado desconhece a sua enorme relevância para a história do IGL e o seu papel na criação de condições para a modernização e consolidação pedagógica e artística na área da música em todo o país. Após iniciativas exasperantes e espinhosas, felizmente com sucesso, de Júlia d’ Almendra (1904-92) para dar continuidade ao Centro de Estudos Gregorianos em pleno PREC - facto que foi conseguido graças ao seu enorme prestígio internacional como investigadora e maestrina de Canto Gregoriano e Polifonia Sacra, bem como introdutora do Método Ward para crianças em Portugal, com as alterações legislativas decorrentes da instauração da democracia e da formação constitucional da Assembleia da República, entre 1976 e 1983, paradoxalmente, o IGL continuava a ministrar os então designados cursos gerais, complementares, e superiores (estes últimos sem grau académico, em regime extraordinário de frequência, e sem conferir qualquer habilitação oficial), ficando na dependência da Direção Geral do Ensino Superior, em regime de instalação.
Importa também relembrar que nesta altura os sucessivos ministérios da educação (de governos de muito curta duração) foram projetando e preparando um plano de reforma profunda de todo o ensino da música, o qual foi sofrendo diferentes reações, com o Conservatório Nacional de Lisboa em permanente protesto, ao ver ganhar terreno a hipótese da sua conversão em “mera” escola de ensino básico e secundário (com perda dos cursos superiores, monodisciplinares, sem grau académico, aí ministrados desde1931). O mesmo destino, ou pior ainda - a ameaça de extinção (!) - do IGL, pairou no ar durante estes 7 anos, dado que chegou a ser pensada, por mais de uma vez, a transferência plena dos seus alunos, por serem em número bastante inferior, para o Conservatório. Tal, felizmente, não aconteceu.
É neste cenário delicado que se prolongou até ao fim da década de 1980, que o papel de Margarida Duarte de Almeida (doravante MDA) se reveste da maior importância: demarcando-se da onda de ceticismo (para não dizer pessimismo) do Conservatório Nacional nestes anos, em direção colegial na Comissão Instaladora do IGL, MDA e Maria Helena Pires de Matos (1938-2011), ouvido sempre o corpo docente, aproveitaram o estatuto de autonomia pedagógica para recentrar a oferta formativa na área do Canto Gregoriano, alargando-a progressivamente a outros domínios da Música Antiga. Paralelamente, abriram as portas para a integração de novas visões curriculares da formação musical global dos alunos, das quais se destaca uma aprendizagem mais ampla e desenvolvida da harmonia e contraponto, a introdução do estudo de técnicas de composição da música moderna e contemporânea, a experimentação quer de novos modelos de técnica vocal e de formação musical, quer de novas correntes de ensino da história da música alargando-a a culturas extraeuropeias, entre outros.
É também graças à ação de MDA e de Maria Helena Pires de Matos, com o apoio jurídico de Cecília de Almeida Gonçalves, que são aprovados ministerialmente os primeiros cursos superiores de música prática, com grau académico, em Portugal, designadamente nas áreas da Direção Coral, Canto Gregoriano, e do Órgão, os quais foram posteriormente integrados na Escola Superior de Música de Lisboa, na sequência da abolição do “ensino vertical” em Portugal, e consequente separação institucional, definitiva, a partir de 1983, dos níveis secundário e superior dos (então vulgarmente chamados) cursos vocacionais de música.
Convém reforçar este aspeto, de modo muito direto: i) sem a desmultiplicação em contactos e em negociações dificílimas com organismos tutelares de ensino superior e secundário; ii) sem as suas participações pujantes em grupos de trabalho, colocando-se do lado do progresso; iii) sem a visão de colocar o IGL na vanguarda do ensino artístico especializado da música público em Portugal, onde figuras de enorme prestígio iniciaram as suas carreiras docentes ao chegarem a Portugal – Antoine Sibertin-Blanc (1930-2012), Cristopher Bochmann (1950 -), Salwa El-Shawan Castelo Branco (1950 -) , Rui Vieira Nery (1957-), para citar apenas alguns exemplos –, juntando-se a tantos outros profissionais de excelência, o IGL poderia hoje não existir. Por esta razão, pela sua enormíssima generosidade, pela sua fabulosa musicalidade, pela sua paixão enorme pela música, testemunhada por todos os seus alunos de piano, toda a comunidade do IGL lhe deverá, sempre, um eterno e gigante obrigado. Margarida Duarte de Almeida deixou-nos recentemente, a 6 de dezembro de 2024, aos 103 anos de idade.
11 de janeiro de 2025
Nuno Bettencourt Mendes
Concerto – Sonatas de Johannes Brahms
No próximo dia 24 de Janeiro, a EAIGL promove o primeiro de dois recitais com as Sonatas para Viola d'arco e Piano e Violoncelo e Piano de Johannes Brahms.
Terá lugar no Auditório ISEG às 21 horas e conta com a participação dos professores Bárbara Pires (viola d'arco), Eurico Rosado (piano) e César Gonçalves (violoncelo).
Calendário de Audições
Consulte o Calendário aqui.
Calendário das Atividades Académicas e Artísticas 2024/2025
Consulte a área Calendário de atividades académicas e artísticas.